A situação nos tribunais <br>- ou um Governo sem emenda nem vergonha
Como se não bastasse a confusão generalizada do 1.º dia da entrada em vigor do novo Mapa Judiciário, em 1 de Setembro, espectáculo deplorável a que a ministra da Justiça e o Governo PSD/CDS sujeitaram a Justiça, o sistema judiciário vê-se agora praticamente paralisado, colapsado o sistema informático que havia de suportá-lo, com todas as consequências para o funcionamento dos tribunais e a realização da Justiça.
Confirmaram-se os piores receios do PCP, para os quais tinha alertado. Efectivamente, e em devido tempo, o PCP propôs, com sentido das realidades, que esta reorganização entrasse em vigor apenas em Setembro de 2015, para uma adequada planificação e preparação do trabalho ao longo de um ano judicial, no sentido de que a todos fosse possível trabalhar com tempo na execução eficaz da reforma.
A proposta foi recusada pelo Governo e por outros desvalorizada.
A ministra da Justiça, pondo à frente os compromissos com a troika, cujo programa se vangloria de cumprir antes dos demais membros do Governo, foi incapaz de ouvir e considerar os avisos e alertas vindos de todo o lado, insistindo teimosamente em pôr em vigor, a todo o custo, a famigerada «grande reforma».
O resultado aí está, um verdadeiro descalabro: milhares de processos transferidos à pressa e empilhados; magistrados e oficiais de justiça forçados a deslocações; quase mil funcionários em falta; obras sem fim à vista (algumas sequer iniciadas); julgamentos adiados; tribunais e profissionais parados devido ao colapso do sistema informático (até quando?). Situação mais do que previsível, do conhecimento do Governo, pelos avisos e relatórios qualificados que em tempo oportuno lhe chegaram.
E, não menos grave, e surpreendente, tribunais em contentores. Situação vergonhosa e deveras humilhante para quem recorre aos tribunais e para todos aqueles que aí trabalham, que só pelo seu elevado sentido de serviço aos cidadãos aceitam desempenhar funções em tais condições.
Este Governo PSD/CDS ficará na história do nosso regime democrático como o governo que meteu um órgão de soberania em contentores.
O PCP responsabiliza a ministra da Justiça e a maioria PSD-CDS que a apoia por esta gravíssima situação e pelos prejuízos que está a causar aos profissionais que trabalham nos tribunais e aos cidadãos que a eles têm que recorrer. Só um governo em fim de vida despreza desta forma inqualificável cidadãos e instituições, pondo em causa a imagem dos tribunais e a própria dignidade da Justiça.
Na Assembleia da República, por proposta do Grupo Parlamentar do PCP, a Ministra da Justiça irá ser ouvida e confrontada com as responsabilidades do Governo e as suas próprias e instada a tomar as medidas de emergência que a situação reclama, ou, não o fazendo, a assumir por isso todas as consequências.
Toda esta situação, anormal e inédita, consubstancia um uma gravíssima afectação do poder judicial, que põe em causa o normal funcionamento das instituições – no caso órgãos de soberania – facto que só por si, num Estado de direito democrático, torna exigível uma tomada de posição institucional do Presidente da República, garante do seu regular funcionamento e não comentários avulsos desculpatórios da política do Governo.
PCP não desiste
É de há muito conhecida a oposição do PCP a esta reorganização dos tribunais. Não por entender que tudo está bem na organização e funcionamento do sistema judicial. Como dissemos oportunamente era, e é, possível efectuar melhorias sem ir ao ponto de criar 23 mega instâncias centrais, encerrando dezenas e desqualificando centenas de comarcas.
O PCP sempre se opôs a qualquer reforma da qual resulte pior acesso dos cidadãos à Justiça, como vai suceder com este novo mapa, e aconteceu também na reforma anterior, do PS, igualmente imposta contra tudo e contra todos.
Nada justifica o fecho de tribunais (como de escolas, centros de saúde ou repartições de finanças) a não ser uma visão subsidiária de interesses que põem em causa as funções sociais e de soberania do Estado, que têm por objectivo a destruição de serviços públicos, com a consequente desestruturação social e a perda de referências identitárias das populações, acentuando ainda mais a desertificação e o abandono do interior.
Que ninguém tenha dúvidas. Este é mais um passo de uma estratégia apostada em diminuir o papel do Estado na Justiça, concentrando tribunais e valências, fechando tribunais. É apenas o princípio de um processo (agora fecham dezenas, mais à frente, se esta política não for travada, quem sabe, serão centenas) abrindo cada vez mais espaço de negócio na área da Justiça, uma Justiça privada em detrimento da Justiça realizada nos tribunais do Estado.
O PCP reitera a sua posição de que nenhum dos actuais tribunais de
comarca deve ser encerrado e que em todas as actuais comarcas deve continuar a existir um tribunal de competência genérica em matéria cível e criminal. De igual modo, nenhum tribunal deve perder valências de que actualmente disponha por via da concentração de tribunais especializados.
O Grupo Parlamentar do PCP, que em Julho suscitou a apreciação parlamentar do Decreto-Lei que põe em vigor o novo Mapa, apresentou estas propostas, que foram liminarmente rejeitadas pela maioria PSD/CDS que tudo fez para se furtar ao debate, poupando os seus deputados ao embaraço de, nesta como noutras matérias, ter de assumir publicamente que votam na Assembleia da República exactamente ao contrário do que dizem defender perante as populações que os elegeram.
O PCP não desiste das suas propostas. Tal como prometeu, propôs e foi aprovado na conferência de líderes parlamentares o agendamento, para o próximo dia 25, do seu projecto de lei que altera o mapa judiciário e suspende a sua entrada em vigor.
O PCP continuará ao lado de todos quantos se opõem e lutam contra estas políticas de Justiça. E tudo fará no sentido de minimizar as consequências muito negativas desta reforma, e no sentido de garantir o acesso à Justiça de todos os cidadãos em condições de igualdade, como manda a Constituição da República.